6.28.2009

Des-emocionalização ou como matar a arte pela exposição


Em relação ao mais equilibrado filme de Assayas, L'heure d'été, podemos considerar o domínio, inteligente e sólido, das dramaturgias clássicas do cinema (também) francês, sendo que este [domínio] se afasta deliberadamente (e felizmente) das vulgaridades da tele-ficção. Acabada a minha sentença, que mais parece uma transcrição de um qualquer texto do crítico João Lopes, posso adiantar, que existem dois pontos fundamentais neste filme que merecem alguma atenção:

1. Sendo que a trama se centra em três irmãos (dois irmãos e uma irmã) que decidem as partilhas da casa de campo, anteriormente habitada pela sua mãe e por eles mesmos na sua infância; e que este filme foi proposto pelo Museu d'Orsay para uma curta conjunta com as de outros realizadores, temos um filme singular. Desta vertente museológica do filme surge portanto o aspecto mais interessante do dito: quando um objecto (neste caso uma secretária) é vivido e usado, cresce - da mesma forma que um filme cresce com o seu público - pois desmultiplica-se em perspectivas e memórias, torna-se vivo/orgânico, imortal; no entanto, todo o filme trabalha sobre a ideia da libertação da dita secretária para o dito museu, ou seja, à sua 'des-humanização'. Há um plano oposto ao acima, em que se mostra a secretária exposta como mais uma peça, no meio de tantas outras; morta de significado, simplesmente como objecto exemplificativo da obra de um certo designer, nada mais. Daí o título.

2. Outro aspecto curioso é a forma como o filme termina, isto é, antes da casa ser vendida, os netos adolescentes aproveitam os últimos dias de posse da mesma e dão uma festa dos diabos. Que quererá isto simbolizar? A forma como as novas gerações encaram o passado é numa vertente (unicamente) utilitária, ou será o desprezo pela memória passada, pela marca das coisas, ou seja, o usa-e-deita-fora dos dias de hoje?

Então: a arte ganha pela sua exposição, mas perde pela sua sobre-exposição, ou melhor, perde pela descaracterização das suas origens e ambientes formativos (da mesma forma que um ser humano se perde sem as suas referências) e por outro lado verifica-se a relação que diferentes gerações têm para com os objectos e indutivamente para com a memória. Conseguir um filme tão naturalista como este, uma abordagem tão verdadeira sobre as relações entre gerações é obra.

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