12.12.2009

É sempre escuro de noite

Começar: Os filmes de Costa sofrem todos do mesmo; falta-lhes uma noção mais aberta de ritmo, coisa que acontece maioritariamente devido ao tom contemplativo do seu cinema. Ne Change Rien não é excepção; no entanto, Costa é um dos mais criativos cineastas portugueses (e dos mais internacionalizados) dono de uma cinematografia única e cada vez mais rara (ele ainda fala na ideia de ofício). Podemos encarar o 'problema' do cinema de Costa como uma faca de dois gumes: por uma lado perde-se força física (muscular), por outro lado, cada segundo está cheio de poesia, aproxima-nos ao longo do filme de um certo limbo a que alguns (e onde me incluo) poderiam chamar de plenitude.

Continuar:Ne Change Rien é um alien, um filme vindo de não se sabe bem donde; onde é sempre de noite, tudo está escuro e ao mesmo tempo tudo soa humano e singular. Há um perfeito balancear entre aquilo que identificamos como terreno (basta lembrar as sequências de construção artística de Balibar que insiste repetidamente num certo ritmo à literal exaustão, ou a aula de canto lírico que é dos momentos mais fatigantes para o espectador por encarar de frente com o desespero da artista) e depois a etérea singeleza da obra acabada, da melodia redonda (a última sequência é devastadora (rose is a rose, is a rose), ou a interpretação do Ton Diable).
Mas fica-nos uma sensação de real compreensão do processo artrítico, sendo que com esta 'verdade', vem outra, mais ficcional (coisa intrínseca a Costa) de transformar o real numa pasta que não entre nem sai pela porta da ficção, fica ali, na ombreira! Lembro de um enquadramento em que já não temos Balibar, mas sim Lauren Bacall, ou como o senhor do Ípsilon dizia, há ali um Nosferatu a certa altura, ou um gato preto a passear-se pelas sombras, ou a voz de Godard (fim e princípio) e a presença fantasmagórica de Ford. Um filme cheio de cinema encapotado, e também encapotado é o regresso ao cinema de Costa dos actores (leia-se profissionais), mas o que fica bem à vista é a essência da arte como veículo de expressão.

Concluir:Há uma entrevista em que Costa confessa que gosta de fazer coisas diferentes, mas no fundo permanecer lá; é isso mesmo que Ne change Rien é, uma tentativa (conseguida) de fazer diferente, mas sei nunca perder a continuidade da obra do autor. Mais tarde, nessa mesma entrevista, diz-nos que tenta que cada plano seja: um plano realmente, um sentimento apesar de Tudo; e apesar de Tudo um filme magnífico.

3 comentários:

Álvaro Martins disse...

Ainda não vi mas é um dos que aguardo impacientemente.

ângela disse...

tenho isso aqui ao lado pra ver.

Ricardo-eu disse...

como disse, é um filme muito particular, que ganha tanta mais força, quanto maior for a tela (o cinema de costa ganha muito mais na sala escura), e repito, é uma maravilha, dos melhores do ano.