Numa maravilhosa conversa entre Oliveira e Benard da Costa, transmitida pela italiana Rai Tre (e disponível no youtube em três episódios - 1,2,3), Oliveira diz a certa altura: "A imagem muda é onírica por natureza, o sonho não nem palavra, tem só imagem, portanto o cinema era onírico; quando veio o som e a palavra, tornou-se muito mais realista. Não há arte nenhuma que seja capaz de simular a vida como o cinema". Curiosamente, o desenvolvimento da técnica, nomeadamente o digital, quer do ponto de vista dos efeitos digitais, quer da própria maquinaria cinematográfica, tem permitido aos realizadores aproximarem-se mais do onírico e do real (respectivamente pelos efeitos e pela maquinaria), havendo portanto a capacidade de fazer um cinema mais directo, mais imediato (e por isso mais real, como o recente Go get me some rosemary ou o agora estreado Irene), e um cinema mais lento, mais pensado, desenvolvido ao milímetro em frente a um computador (são exemplo os filmes de animação digital, mas também Avatar e Benjamin Button).
Desta forma podemos encarar os avanços tecnológicos iniciados com o CGI quase à 20 atrás, e cujos resultados ostentam agora o seu pináculo produtivos com o renascer dos 3D, como um dos momentos marcantes da história do cinema. Da mesma forma que se passou do mudo para o sonoro, do preto e branco para as cores, passa-se agora da película para o digital (e repito-me, o digital não apenas da pos-produção, mas na captação com as novas câmaras e na projecção, com a renovação das salas).
É curioso pensar que Oliveira, que vai chegar aos 102 este ano, usa já o digital desde Cristovão Colombo - O Enigma, quando realizadores da vanguarda tecnológica como Steven Spielberg (que introduziu de forma brilhante os efeitos digitais com Jurassic Park) resistem ao digital, o último Indiana Jones ainda foi filmado em película apesar de todas a pirotecnia digital.
Outro aspecto que o digital levanta está relacionado directamente com a essência do cinema: a narrativa pelas imagens; isto é, desde os últimos capítulos do Star Wars, nomeadamente nas sequências de luta com o Yoda, a utilização do digital é progressivamente mais complexa e impenetrável. Quantas sequências (mais ou menos) digitais têm sido criadas nos últimos tempos em que a velocidade das acções é superior à capacidade humana de as perceber? Apesar de não ter visto The A-Team, o trailer e parte da crítica tem apontado este facto, o intrincado digital é um processo moroso e caro, por isso as cenas que dele fazem uso querem-se curtas, assim o resultado é o que se vê, uma manta de sons e imagens imperceptível.
Faz falta tempo para pensar as imagens que se vêm; hoje em dia vive-se uma hipervitaminose de imagens, elas vêm, surgem, e vão, mas não ficam, são descartáveis e isso é inaceitável.
Há que pensar a actualidade e reflectir sobre as potencialidades da tecnologia. A título de exemplo lembro-me do primeiro sonoro de Hitchcock - Blackmail. Numa época em que o som aparecia como prodígio técnico, todos os filmes que experimentavam o novo brinquedo, faziam com que as vozes dos seus actores fossem o mais nítido possível. Pois bem. Hitchcock vem e parte a loiça toda, usa o som de forma inventiva, retirando a nitidez dos palavras em detrimento da construção de uma atmosfera - podem ver a famosa cena da faca, em que a protagonista, que assassinou uma pessoa, quando fala com os seus vizinhos, só o ouve, de entre uma nuvem de barulhos, a palavra faca.
Ainda estou à espera de um realizador que pegue no digital e o perverta, da mesma forma que o Hitchock fez com o som. [A Inglesa e o Duque é um bom exemplo, mas Rohmer está noutro nível]
2 comentários:
Muito bom artigo. É de facto pertinente pensar o digital, as suas possibilidades e potencialidades e a própria evolução do cinema.
Cumps.
Roberto Simões
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Muito obrigado, fico sempre contente quando o meu trabalho agrada os outros
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