Les Herbes Folles (2009) de Alain Resnais
Para escrever sobre Resnais e o seu último filme, tenho começar por pegar naquele que é o indiscutível [estas afirmações peremptórias ficam sempre bem] mestre do cinema: Hitchcock.
Faz umas semanas que revi North by Northwest, passou na rtp2 a propósito do ano da morte de Benard (juntamente com o magnífico Johnny Guitar), a grande vantagem desta exibição foi o acompanhamento do filme por gravações de "O filme da minha vida" e "5 Noites, 5 Filmes" com Benard. No final deste filme aparecia então Benard num comboio (curioso), bebendo um wishky e fumando um cigarro, pedindo-nos que fossemos pacientes e que revíssemos uma cena do filme. Qual seria? Obviamente a cena do avião. Benard dizia, e com toda a razão, que existia um milhão de maneiras diferentes de matar um personagem (e mais eficientes) e a propósito disso citava Hitchcock na muito celebrada frase (nas conversas com Truffaut): I practice absurdity quite religiously!
O que se pode concluir da contínua lição de cinema que é a obra Hitchcockiana, é que mais do que saber o que filmar, há que saber todos os motivos para não filmar de dada forma e fazê-lo na mesma.
Não é que Les Herbes Folles seja um exemplo maior do absurdo, mas salta à vista uma certa forma de fazer cinema à cinema. Para me explicar melhor lembremos que a fanfarra da fox toca quando o clímax é alcançado, como se o próprio cinema clássico estivesse todo ali, concentrado em poucos segundos de filme, só faltava o leão da mgm aparecer e juntar-se ao encontro romântico. Mais do que o absurdo filmado, este filme é sobre o absurdo potencial, sobre aquilo que está mesmo para acontecer, mas nunca chega a vias de facto (como Hitchcoch fazia: punha as cartas em cima da mesa e fazia-nos esperar, só que aqui a espera não termina).
Mas não se pense que isto é filme de velhinhos nostálgicos ou moços cinéfilos. Há tanto de novo, de juvenil neste filme, mais do que a infantilidade das personagens, há aqui uma forma de filmar gozona, gingona. Basta lembrar a cena da entrevista policial, basta sentir a flanela das cores, o ritmo dos diálogos, coisas que não são de antes, são de agora: a forma como não há lógica imediata, como parece que o filme foi sendo escrito enquanto era filmado, como tudo soa tão deliciosamente a falso (leia-se clássico?); cheira a fresco porque foi acabado de pintar e a tinta ainda não assentou.
Mas porque para acabar em grande eu teria que ser outra pessoa e escrever doutra forma, convoco pelas artes mágicas do copy/paste e do hiperlink as palavras de Vasco Câmara: No caso de "Ervas Daninhas", e por causa da sua liberdade, e por causa daquilo a que o filme se permite - é que este filme escreve-se, gesticula, é pintado; parece BD, depois teatro e grande produção de Hollywood com "happy end"; é "work in progress", é ainda esboço... -, é como se a própria natureza da experiência de espectador tivesse sido fundamentalmente alterada (queremos dizer: saudavelmente danificada). Não estamos a ver um objecto "arrumado", obra acabada e pronta a consumir. Estamos a ver algo que parece ter sido acordado naquele momento. Com uma ferocidade que pede energias novas ao espectador. Como se a coisa estivesse viva: ela mexe-se.
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