10.22.2010

Hipóteses Ad hoc (I)


Primeira sessão deste ano no Doc, três curtas de Manoel de Oliveira: Douro Faina Fluvial; O Pintor e a Cidade e O Pão. Três filmes de genial perfeição.

Se o primeiro é uma bomba de modernidade, uma exaltação do teoria da montagem russa, que cria algumas das mais criativas aproximações visuais de sempre [mais uma vez me vejo nestas afirmações de crítico pedante]: montar um mastro com a excitação de um jovem, o trabalhador com a empilhadora. Por outro lado o filme cria sobre si mesmo, e dentro da sua veia documental, um desejo pela ficção, pela realidade encenada: o jovem que compra um peixe à peixeira, o atropelamento de um moço pelo carro de bois. Mas o frenético da montagem é algo que se prolonga, o abanar da câmara é constante. Mais não fosse, esta seria uma obra fundamental, por ser um dos títulos fundadores do nosso cinema, por ser absolutamente fascinante e por ser tão reveladora da variedade do trabalho de Oliveira. [quem lhe chama chato, apenas demonstra a sua ignorância].

O segundo é uma obra de uma elegância inaudita: o romance que se estabelece entre o pintor e a cidade é mais do que o título pode transparecer, pois na verdade, cria-se uma história de amor e fascinação: pelos pequenos pormenores e pelos grandes - os miúdos a jogar à bola, as multidões, o trânsito, mas depois as igrejas, os monumentos, as estátuas. Tudo isto é leve, como algumas coisas de Rhomer ou Varda, mas muito antes destes, e voltando a ceder à ficção, que é essa a genuína motivação do decano realizador.

O Pão é, juntamente com os outros, um filme de ciclo: quando os outros funcionam num dia, do amanhecer ao entardecer [o final de o Pintor e a cidade é algo de avassalador], este funciona num ano, acompanhando o pão desde a ceifa até à seguinte plantação. O Pão assume aqui todo o simbolismo: elemento aglutinador da sociedade, comum a ricos e pobres, saciador de fome e fruto do trabalho [mais uma vez o homem e a máquina, o moleiro e a fábrica de moagem]. Mas as coisas são infinitas: o pão como símbolo religioso, o cinema como pintura [sequência mínima a da Guernica], o pão como símbolo do amor, ligação eterna [o filme começa com um casamento].

Enfim, assombrosos filmes e assombrado realizador.

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