11.14.2010

Hipótese Ad hoc (III)

Continuando a senda de passar pelos pontos altos do Doc Lisboa, quase um mês depois do seu encerramento, lanço-me hoje a um título maior da programação deste ano do festival: Boxing Gym de Frederick Wiseman.

No ano em que pela primeira vez estreia uma das obras de Wiseman em sala e dois anos depois do doc lhe ter dedicado uma retrospectiva integral, aparece-nos um filme singular do ancião realizador. Primeiro, por ser uma obra de apenas 90 minutos (coisa raríssima), segundo, por ser de uma actualidade avassaladora sobre o que é ser americano hoje. Se mais não houvesse, este seria um estudo de caso, a aproximação à lupa de uma comunidade restrita mas não fechada (como quase sempre são as que Wiseman filma), que reproduz de forma quase gráfica o melting pot (esta expressão irrita-me um pouco, mas não há melhor e tão sucinta) americano. Um ginásio onde convivem profissionais e amadores, mulheres e homens, bebés, crianças, jovens, adultos e velhos, 'americanos de gema' e emigrantes latinos, conservadores e liberais. Enfim: uma manta de retalhos (olha, afinal existe um expressão equivalente) que constroi um tecido orgânico e harmonioso. Raros são os filmes que nos apresentam uma versão tão idílica da América sem parecerem propagandisticos. Este é seco, sem rodriguinhos, (será que me arrisco a dizer isto) verdadeiro.

Os Wiseman que conheço costuram-se sempre da mesma forma. Exploram as rotinas, os actos repetidos, as mecânicas das organizações. Mas esta atenção não é inocente, há um propósito, uma ideia de narrativa convencional, uma construção em pirâmide em direcção ao aperfeiçoamento. Vemos os treinos, os sucessivos murros em sacos e em luvas, ouvimos as palavras de ordem do treinador e todos os dias as mesmas rotinas de treino, para depois, no fim, termos direito a um combate. O auge da criação, o fruto do trabalho e suor. O objectivo alcançado. A criação artística.

Mas como eu gosto mais do resto, das sociologias baratas, leiam o texto do José Oliveira no Touro Enraivecido, que pega no filme pelo Ford e pelo Hawks, certamente é uma abordagem mais interessante que a minha.

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