11.03.2010

Hipóteses Ah hoc (II)

 
O DocLisboa já acabou, mas o tempo não dilata e os textos vão saindo às pinguinhas.
Hitlers HitParade. Filme curioso. De 2008. Feito integralmente com material de arquivo. Propaganda Nazi. Publicidade. Filmes de entretenimento ligeiro da Alemanha Hitleriana. Imagens documentais dos campos e das atrocidades. Desenhos animados. Tudo embalado por alegres canções sobre o amor e a felicidade. Tropas encaixadas com tangos. Jovens de mini-saia dançando, encaixadas com os cadáveres. Hitler como figura pop. Hitler como figura popular. Propaganda. Crítica severa. Controvérsia.
[Na sessão a que fui, o realizador ficou para responder a questões e, como seria de esperar, várias pessoas ficaram escandalizadas com a forma como se tratava a memória dos mortos. O realizador explicou que havia três razões para montar as imagens dos mortos com música alegre: primeira, o facto de o contraste aumentar o choque, segunda, o facto de o holocausto ser sempre tratado como um período tenebroso com músicas igualmente tenebrosas, terceiro, os próprios militares que dirigiam os campos colocavam músicas alegres para os presos ouvirem enquanto trabalhavam até à morte por exaustão]

O caldo que fica é uma duríssima crítica à maldade pela passividade. Neste filme dá-se a entender que os alemães viviam num mundo imaginado, desligado da realidade, fundado em enganos e mais que isso na crença de que eram de facto superiores. A maldade pela negligência, pelo nada fazer. O filme é mesmo uma reflexão sobre a ética do acto de fazer cinema: cinema escapista num período de  horror é eticamente condenável, por promover a inacção, por promover a não-reacção. [daí que nestes anos em que se atravessa uma das mais destrutivas crises da história moderna da civilização ocidental, seja condenável a feitura de filmes ocos de conteúdo - não só nestes momentos, mas especialmente].

Outra coisa interessante neste filme é a construção de uma narrativa a partir do material de arquivo; isto é: fazer com que as diferentes fontes falem entre si, criando uma estrutura clássica de progressão narrativa. Há dois exemplos curiosos. Um cena em que marido e mulher conversam pelo telefone é montada com outra de alguém que escuta a uma porta, sendo o conjunto montado com imagens da sede da Gestapo e de uma rusga, criando o texto de que o homem confidenciava à mulher algo que é denunciado pelo vizinho e que resulta na apreensão do primeiro. Outro exemplo é a compilação de cenas em que Hitler puxa a franja para o lado, fazendo dele uma caricatura, explorando-lhe os maneirismos.

O filme nunca passou na televisão publica alemã (só no arte), podem ficar com dois pequenos excertos.(1 e 2)

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