Quando uma realizadora do puro e simples se lança a um filme de época, muitos poderiam esperar o pior. O pior ficou em casa. A realizador fez um filme de época puro e simples.
Para compreender este filme há dois planos que acho essenciais, não só na estruturação do filme como na demonstração da singularidade do trabalho de Kelly Reichardt.
1. Um dos planos iniciais. Gente perdida no deserto americano. Zona de índios e cowboys. Um homem está ajoelhado no chão junto a um pedregulho. O resto das pessoas afastam-se lá longe. Ele está a ficar para trás. Não percebemos bem porquê. Está a escrever algo, raspando pedra com pedra. Acaba. Levanta-se e vai ter com os outros. Escreveu: LOST.. Uma sequência destas revela, acima de tudo uma inocentíssima ingenuidade. Que realizador faria um personagem seu escrever o estado em que está, assim, sem mais nem menos? Não é um escritor que revela os seus sentimentos através do seu trabalho. Não é alguém mudo. E não havia (nem há de haver) ninguém que visse aquela mensagem [lá no meio do deserto]. Então para quem se dirige? Para nós, está claro, para o espectador. Então, apesar de tão inocente, o que ali temos é uma manobra ardilosa de evitar o narrador, mas que tem igual poder de situar as personagens na narrativa.
2. Um dos planos finais. Gente perdida no deserto americano. Zona de índios e cowboys. A caravana chega a uma árvore com o topo queimado. O arbusto flamejante do episódio de Moisés? Todos se aproximam. Será um sinal. Bom? Mau? Tocam nos ramos. É de verdade. A caravana vinha trazendo um índio como prisioneiro. Ele está solto. Ela olha através da árvore e vê-o, do outro lado. Ele afasta-se. Não foge, simplesmente afasta-se. Os ramos enquadram a partida. Os ramos também lhe enquadram o rosto [na imagem]. Como nos outros filmes de Reichardt, tudo gira sobre a impossibilidade do homem regressar à natureza. Essa utopia é desconstruida neste plano: ele, o índio, que ainda não se libertou da terra e do céu está do outro lado, ela (e todos os outros) estão do lado de cá. A árvore-natureza separa-os. Tudo isto num esquema de plano-contra-plano
Para compreender este filme há dois planos que acho essenciais, não só na estruturação do filme como na demonstração da singularidade do trabalho de Kelly Reichardt.
1. Um dos planos iniciais. Gente perdida no deserto americano. Zona de índios e cowboys. Um homem está ajoelhado no chão junto a um pedregulho. O resto das pessoas afastam-se lá longe. Ele está a ficar para trás. Não percebemos bem porquê. Está a escrever algo, raspando pedra com pedra. Acaba. Levanta-se e vai ter com os outros. Escreveu: LOST.. Uma sequência destas revela, acima de tudo uma inocentíssima ingenuidade. Que realizador faria um personagem seu escrever o estado em que está, assim, sem mais nem menos? Não é um escritor que revela os seus sentimentos através do seu trabalho. Não é alguém mudo. E não havia (nem há de haver) ninguém que visse aquela mensagem [lá no meio do deserto]. Então para quem se dirige? Para nós, está claro, para o espectador. Então, apesar de tão inocente, o que ali temos é uma manobra ardilosa de evitar o narrador, mas que tem igual poder de situar as personagens na narrativa.
2. Um dos planos finais. Gente perdida no deserto americano. Zona de índios e cowboys. A caravana chega a uma árvore com o topo queimado. O arbusto flamejante do episódio de Moisés? Todos se aproximam. Será um sinal. Bom? Mau? Tocam nos ramos. É de verdade. A caravana vinha trazendo um índio como prisioneiro. Ele está solto. Ela olha através da árvore e vê-o, do outro lado. Ele afasta-se. Não foge, simplesmente afasta-se. Os ramos enquadram a partida. Os ramos também lhe enquadram o rosto [na imagem]. Como nos outros filmes de Reichardt, tudo gira sobre a impossibilidade do homem regressar à natureza. Essa utopia é desconstruida neste plano: ele, o índio, que ainda não se libertou da terra e do céu está do outro lado, ela (e todos os outros) estão do lado de cá. A árvore-natureza separa-os. Tudo isto num esquema de plano-contra-plano
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