12.16.2011

A juventude como mortificação e a elevação do cliché a coisa fresca

Há dois aspectos que acho de maior importância na compreensão de Restless, último filme de Gus Van Sant. São dois momentos, dois planos, significativos de uma suprema sensibilidade da natureza melancólica do juventude e da consciência da natureza fílmica da própria obra.

1. Abertura do filme. Um moço está deitado no alcatrão. Traça a giz um fio de branco em redor de si. O fio vai-lhe ganhando a forma do corpo estendido. Termina. Vê-mo-lo de cima, deitado, imóvel, rodeado de uma linha branca que o encapsula. Então notamos algo de estranho. A imagem que estamos presenciando é uma que estamos muito habituados a ver nas produções televisivas cujos títulos são, infalivelmente, siglas para (mais ou menos) secretas instituições governamentais de investigação policial. CSI. NCIS. Ou seja, um cadáver abandonado, descoberto, e avaliado, fotografado e cuja forma é decalcada no chão para futuras investigações. Então estala-nos o tema basilar do filme, assim numa imagem: a morte pressentida e inefável. O moço, deita-se como cadáver a ser. Como, pelo simples acto de desejar ser cadáver se aproxime mais da morte. Esta mortificação é por isso estruturante no jovem, e extrapolando, é estruturante na juventude. A melancolia própria da adolescência é assim aproximada da morte por uma imagem. Uma só. Note-se que mais à frente, esta imagem, tão forte, é pervertida quando, ele, com a namorada, se deitam em conjunto no chão e traçam uma linha em redor dos dois, dizendo de forma tão clara, que só a morte os pode aproximar. 

Romance, beijo, amor, coisas bonitas.

2. Caminha em direcção à casa da namorada. Leva um ramo de flores. Bate à porta. Ninguém responde. Entra. Vê a sua amada deitada no chão desfalecida (morta?). Corre para ela. Agarra-a em desespero. Pede-lhe que acorde. Implora-lhe. Roga-lhe. Ela murmura algo. Sabe que está morrendo. Ele não aceita. Ela fecha definitivamente os olhos, largando-se da vida. Ele fala. Diz. Não consigo fazer isto. Ela abre os olhos. Diz. Mas é o que está no guião! Mas isto não presta, sempre a repetir as mesmas frases, tudo tão dramático; é ridículo. Ela leva a peito a crítica e zanga-se. Ele zanga-se e sai. Primeira rixa do casal. E pronto. Mais um momento gigante. Van Sant assume, mesmo que por meias palavras que o que estamos vendo é um filme. Mas o que é de notar é percebermos que é o argumento que provoca a separação. Literalmente. Ou seja, Van Sant assume que deseja, conscientemente seguir o cliché do Boy meets girls- Boy looses girl- Boy gets the girl back. Mas quando um cliché é assumido, esmorece e ganha frescura. [como este há um sem número de outros exemplos em que aquilo que já está mais que repisado por qualquer comédia ou drama romântico ganha aqui uma sensação de descoberta e alegria]

Haveria muito mais para dizer, mas a minha memória não é a melhor, e já vi o filme há umas semanas. Fica simplesmente a sensação de que este é um caso maior de ternura e inteligência não só na obra de Van Sant, como, principalmente, no conjunto dos filmes da década.

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