6.24.2012

O sexo é bem de consumo no sentido em que um pastel de nata é para comer

Esqueçamos que Cosmopolis é um filme do senhor Cronenberg (não que não tenha dentro de si a mão do realizador), e pensemos no filme apenas como objecto singular, esqueçamos o percurso que os filmes do realizador vinham traçando e encaremos de frente o filme por si e em si. Esqueçamos também toda a cangalhada financeira, mais ou menos preditória dos tempos de hoje. Feito isto encaramos um filme sobre essa coisa tristíssima que é a impotência e a forma como esta pode (ou não) ser tolerada num mundo da satisfação imediata dos desejos. 

A personagem de Pattinson a certa altura diz, vamos comer e conversar que é isso que as pessoas fazem. As pessoas comem e falam, certo, eu sou uma pessoa e como e falo. Mas a frase seguinte que sai daquela boca é, quando é que voltamos a fazer sexo. Lá está, as pessoas para além de comer e falar também fodem.
Estes são os três pilares da humanidade, identificados assim de um repelão. Mas o que se torna curioso é percebermos a forma como uma estranha dança se desenrola em torno dos pilares. Ele, o Pattinson, com a namorada come e fala, mas não fode, aliás ele anda-lhe sempre a pedir por mais uma. Com as outras ele não come, só fala e fode. Como se não pudesse ser compatível o comer e o foder com a mesma pessoa. Mas mais engraçado é reparar noutro aspecto: sempre que ele fode perde uma peça de roupa. Primeiro é a Binoche e lá vai a gravata, depois é uma mocinha e lá vai o blazer, como se o sexo envolvesse uma compulsória perda. O sexo como investimento, toma isto, mas dá cá isso. Aliás, ele a certa altura diz, eu não quero fazer sexo, eu quero ter sexo. O sexo como objecto de comércio, mas muito longe da prostituição, não há aqui um metier, uma profissionalização, o sexo é bem de consumo no sentido em que um pastel de nata é para comer.

Mas a coisa adensa-se, e a simbologia sexual vai se tornando cada vez mais destrutiva. Aparece uma arma, um canhão de bolso (faz-me lembrar a Lídia Jorge que escreve espingarda de carne), uma arma tão destrutiva que é feita de encomenda para o guarda costas do nosso protagonista, um mimo, activada pela voz do seu utilizador, unicamente activada desta forma. Pattisson pede-lhe (ao guarda) que active a arma. Depois dispara sobre ele, como se abatesse um boi. Há aqui algo de profundamente trágico, porque aquele arma portentosa, ao matar o seu único utilizador perde o seu propósito, deixa de servir. Uma arma que ao fazer aquilo que é suposto fazer, matar, destrói-se. Uma arma com um só tiro. Um objecto condenado à partida à inutilidade, apesar da sua tecnologia de ponta. Da mesma forma a pesonagem de Pattinson é uma inutilidade em potência, mas ele toma noção disso, sabe-o sem poder confirma-lo. Giamatti a certa altura diz, eu sinto os meus órgãos sexuais a serem absorvidos pelo meu corpo, não preciso de ver, eu sei. Pattinson sente essa mesma queda anunciada, essa impotência crescente, espelhada nessa impossibilidade de tornar formal as movimentações do ioan. Mas o grande alto de tudo isto é o próprio tiro na mão. Numa tentativa de auto-preservação ele destrói-se. Aquele tiro na mão é uma tentativa in extremis de se impedir de masturbar, porque ele sabe que essa sua potência que se vai desvanecendo não é só intelectual (não é por acaso que ele não consegue foder a namorada e não é apenas simbólica a assimetria da próstata) é também sexual e por isso há que preservar o pouco que resta. Mas ao fazê-lo ele condena a sua integridade. Como a arma portentosa, ao seguir do seu sentido ele condena-se, ele é uma acidente anunciado, um morto a caminho de o ser. E daqui talvez faça sentido essa ideia do Vasco Câmara de uma limusina-sarcófago, e por caminhos travessos lá voltamos à cangalhada financeira.