3.22.2009

Agustina e o Cinema de e por Botelho

"Finalmente se prova que não há incompatibilidade entre o cinema e a literatura", escreveu Agustina. Não há em "A Corte do Norte" demasiada literatura?

A voz, o texto, é tão matéria-prima como o olhar, como a luz. Este filme está marcado por duas fontes de inspiração: o texto da Agustina e a matéria de luz do Caravaggio. Isto serve-me para uma homenagem ao cinema, com a ideia de que a fotografia é anterior ao cinema, do cinema ser composto por vários elementos - isso chama-se matéria, matéria.

O texto é da Agustina, a luz é do Caravaggio, e a música...

... é também matéria, não é para encher chouriços. Tive a sorte de encontrar uma música de Schubert, "Rosamunde", e, é evidente, a "Traviata", do Verdi, que a Sissi ouvia. Mas é sempre assim: ouçam-na, ouçam a música, agora vejam um gesto.

Não respondeu à questão: a forte carga literária dada pela voz- "off"...

A ideia é respeitar um texto que é forte ou mais forte do que a ilusão. Aquilo é matéria, não há ilusão nenhuma. O cinema não é ilustração. Uma das coisas que mais me agrada no cinema que defendo é a defesa integral do texto literário. Só há uma frase minha: "Ouçam a minha voz e sigam-me para que não se percam." Até a palavra FIM está a mais.
Para mim é criar emoções com coisas abstractas! A minha forma é para ser feito quanto mais abstracto melhor! Quem me dera chegar às riscas do Rothko ou ao ecrã preto do João César Monteiro! Isso é que é respeitar a palavra.

A ideia é que se ouça, ouça, ouça. O cinema é isso: é uma coisa das luzes e das sombras, para as pessoas se atirarem lá para dentro, pôr um tapete muito bonito e retirá-lo quando as pessoas se estão a babar. O cinema nunca permite identificação. Estou sempre a dizer: "Atenção isto é falso, atenção isto é falso." O que é verdadeiro é a relação entre o que se passa no ecrã e as pessoas. Ninguém morre no cinema.

A história não me interessa nada. O que me interessa é a maneira de escrever da Agustina - não gosto das coisas lineares mas das incongruências em que ela nos faz tropeçar - e a maneira de eu filmar. As histórias são do século XIX. O cinema deve ser maior do que as histórias. É o modo de filmar que me interessa. A arte não se percebe, um quadro não se entende, não é para perceber! E não tenhamos ilusões: a literatura é mais aberta do que o cinema. O cinema fixa coisas. Quando num romance se diz que uma pessoa está vestida com um casaco castanho, com uma gravata manchada de amarelo, com a camisa amarela eu pergunto: quantos castanhos há?


Há uma questão óbvia: a ficção da Agustina está ligada à obra de Oliveira... ["Francisca", 1981, adaptação do romance "Fanny Owen"; "Vale Abraão", 1993, baseado no romance homónimo; "O Convento", 1995, inspirado numa ideia original de Agustina; "Party", 1996, argumento de Oliveira e diálogos da escritora; "Inquietude", de 1998, adaptado de "Mãe do Rio"; "O Princípio da Incerteza", de 2002, baseado em "A Jóia de Família"; "O Espelho Mágico", 2005, inspirado em "Alma dos Ricos"]

O cinema para mim nunca é o que se passa e quando se passa, é onde se põe o raio da câmara. Fizeram-se grandes filmes sobre a "Madame Bovary", do Flaubert, um deles é o "Vale Abraão", do Oliveira - o Renoir e Buñuel foram os outros. Mas o cinema não é a Madame Bovary. O cinema é o modo de filmar a Madame Bovary.

O plano do Oliveira não tem nada a ver com o meu. Ele ainda é mais radical do que eu. Ele diz: não há cinema, o cinema é um registo mecânico do teatro, o teatro não tem rede. O cinema é um olhar, o teatro é a palavra. Adoro a câmara no Oliveira. A diferença está na construção ideológica e de formação. O Oliveira acha que as mulheres são perversas. Não partilho dessa posição: estou com Agustina, as mulheres são geniais e grandes, os homens são débeis e fracos. Para ela, são as mulheres que transformam o mundo, são elas que lutam que rebentam com as convenções e os homens vão atrás, são arrastados.


Botelho (entrevista) apesar de tudo o que se lhe possa acusar é um excelente orador, se calhar melhor do que cineasta, mas que tenho 'ganas' de ver A corte do norte lá isso é verdade.

1 comentário:

Filipe Machado disse...

Participa na sondagem "Melhor James Bond com Pierce Brosnan” até ao dia 20 de Abril 2009, em http://additionalcamera.blogspot.com. Só faltam 16 dias!!