3.04.2009

Comentário vagamente inspirado em Revolutionary Road

A vida é um palco de vaidades. Em sociedade, cada vez mais na actualidade, agimos consoante as expectativas dos outros, gostamos do que se gosta pela simples razão de querermos integrar-nos num grupo; esta é uma necessidade tão forte que somos capazes de nos moldar à imagem dos outros. Para obtermos um certo estatuto há que subir numa cadeia de interesses, vaidades e falsidades; pois vejamos: grande parte do nosso conhecimento dos outros, e deles a nosso respeito, advém das (primeiras) impressões que deles criamos, as quais não pomos em causa pela superficialidade da maioria das relações (mesmo as íntimas, quando o pomos é o desastre), então o que se cria é um palco em que tomamos certa aparência, moldando o aspecto (os indícios) e promovendo a atenção na nossa pessoa, podemos controlara aquilo de nós é pensado, moldando a nossa atitude, a nossa maneira de pensar, podemos integrar grupos aos quais não pertenceríamos; isto tem as suas vantagens (e a inabalável complexidade do ser humano transparece nestes actos sociais), mas baseia-se numa falsidade mal assumida e que prejudica gravemente o indivíduo, na medida em que o leva a chegar a lugares, simplesmente pela opção fácil e fútil de seguir a opinião de outrem, recusando portanto a capacidade racional que lhe é intrínseca e por indução o sentido crítico e a moralidade dos seus actos.
Moldando as impressões dos outros em relação a nós, criamos expectativas (falsas) e de nós criam-se representações sociais que nos categorizam num saco que não é o nosso, ao qual não pertencemos.
Actualmente já não são as nossas atitudes que nos fazem ir ou não à igreja ao domingo, já não são as nossas atitudes que nos fazem comportar politicamente de certa forma, é sim a atitude dominante que se pauta, cada vez mais, pela difamação, pela estupidez da argumentação, ou pela ilusória crença que tudo se pode mudar assim que se decidir tal. O problema centra-se na questão do pepino - é de pequenino que se torce - acreditar que se pode mudar de atitude, acreditar que se pode mudar as expectativas dos outros em relação a nós assim que tivermos atingido o nosso objectivo, ou estivermos cansados de fingir quem não somos é irrisório, não só porque é irrealista, mas principalmente porque acreditar que podemos enganar-nos, e aos outros, durante toda a vida e de um momento para o outros achar que uma borracha voadora pode aparecer do céu e numa iluminação divina apagar anos e anos de falsidade e aparências, é mais que tudo pueril e recai na infeliz ideia do American way of life.
As atitudes mudam-se, as expectativas (nossas e dos outros) também, assim como as (nossas e dos outros) representações, agora a memória não se muda, pode tentar-se apagar e ignorar, mas verdadeiramente ela ficará sempre presente, mesmo que inconscientemente, permanecerá por tempo indefinido, tendendo para o infinito possível na finitude da vida. Apesar de tudo, a vida é um palco de vaidades e as vaidades de agora continuarão (mais ou menos) presentes para o resto da vida: redenção - sim, estupidez - não.
Mora o American way, Morra!

P.S.: este comentário é de facto uma resposta a um teste de psicologia sobre a influências das atitudes na acção humana, o teste realizei-o poucos dias depois de ver Revolutionary Road, façam os paralelismos que quiserem com a história do filme porque eles são possíveis, mas não se reduzam a essa interpretação.

1 comentário:

Filipe Machado disse...

Esta breve reflexão é deliciosa. Muitos parabéns. Uma abordagem super original de um grande filme!