5.07.2009
O Cepo
Gran Torino já foi visto, aqui pelo dono do estaminé, faz já algumas semanas, o que implica um desbotar natural da memória em relação ao dito, mas sempre que escrevo, gosto que se passe algum tempo, que tudo arrefeça e seja de cabeça fria que escrevo, o que quer que seja, para garantir uma certa idoneidade nas minhas opiniões; no que perdem em emoção e efusão, ganham em sentido e racionalidade.
Gran Torino (como podem observar na barra ao lado) é para mim o melhor filme que este ano já se viu em salas comerciais portuguesas (apesar de Singularidades de uma Rapariga Loura lhe estar a fazer concorrência). Como tem sido meu hábito, gosto de centrar a minha atenção num momento particular do filme que me tenha atingido pela perfeição técnica, criativa e poética do realizador, neste filme foi um momento ao qual chamaria: 'O Cepo'.
Quando o rapaz se quer redimir da sua tentativa de furto, fá-lo propondo-se como ajudante de Walt por uma semana, este não tem interesse nos serviços do dito, mas lembra-se que poderia levá-lo a fazer 'trabalho comunitário' recuperando uma casa degradada do bairro. Nada de especial se passa durante os momentos de bricolage, mas (e aí sim) aparece 'o' momento: durante uma grande chuvada (simbolismo da redenção e aprendizagem, sem qualquer ponta de cliché) o rapaz tenta sucessivamente e sem qualquer sucesso arrancar do solo um tronco de uma árvore morta. A metáfora é óbvia: o cepo, o velho (tronco) recusa-se a sair do seu sítio, persiste em manter-se como está, intransigente e racista; por mais força que se tenha, por mais que se tente, o cepo não sairá do sítio e Walt permanecerá; felizmente que o filme vai correr no sentido oposto.
O filme é (independentemente da cena referida, pois outras se poderiam nomear) uma das mais belas e didácticas obras de cinema, uma autêntica Lição de Vida para qualquer um e nomeadamente para um jovem como Thao, assim como eu. Raras são as vezes que se conciliam um aspecto social do choque de culturas tão profundo, a par de um retrato psicológico de um ex-combatente, associado a uma crítica social sobre a igreja e o modo como os filhos tratam os pais em idades avançadas, tudo isto envolvido em humor de rir à gargalhada (a cena do telefone com números gigantes ou a introdução do rapaz à linguagem de 'homem') e sobriedade que só o conhecimento de ancião pode criar, (e ainda) a desmistificação de Dirty Harry e todos os seus comparsas dos outros tempos de Eastwood.
Perfeito, maravilhoso, tocante, candido, inteligente, sóbrio, divertido, redentor, sentido, agudo e corrosivo (é melhor parar com os adjectivos).
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1 comentário:
Agrada-me muito o teu post sobre este filme. Não me tinha ocorrido o simbolismo do 'cepo'. Bem visto.
Numa perspectiva altamente pessoal, este foi o melhor filme que vi no cinema em 2009 (e vi muitos).
Sempre me questionei sobre o vazio de reconhecimento oficial desta película. Nem uma nomeaçãozita???
Bem, há quem veja isso como algo positivo... Dá-lhe um cunho de 'filme injustiçado só para uma minoria de bom gosto'!
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