- Quem é?
- Sou eu, tio Francisco, sou eu. Venho dizer-lhe adeus.
A vidraça fechou-se, e daí a pouco a porta abriu-se com um grande ruído de ferrolhos. O tio Francisco tinha um grande candeeiro de azeite na mão. Macário achou-o magro, mais velho. Beijou-lhe a mão.
- Suba - disse o tio.
Macário ia calado, cosido com o corrimão.
Quando chegou ao quarto, o tio Francisco pousou o candeeiro sobre uma larga mesa de pau-santo, e de pé, com as mãos nos bolsos, esperou.
- Que quer? - gritou-lhe o tio
- Vinha dizer-lhe adeus; volto para Cabo Verde.
- Boa viagem.
E o tio Francisco, voltando-lhe as costas foi rufar na vidraça.
Macário ficou imóvel, deu dois passos no quarto, todo revoltado, e ia sair.
- Onde vai, seu estúpido? - gritou-lhe o tio.
- Vou-me
- Sente-se ali! - E o tio Francisco falava, com grandes passadas pelo quarto:
- O seu amigo é um canalha! Loja de ferragens! Não está má! O senhor é um homem de bem. Estúpido, mas homem de bem. Sente-se ali! Sente-se! O seu amigo é um canalha! O senhor é um homem de bem! Foi a Cabo Verde! Bem sei! Pagou tudo. Está claro! Também sei! Amanhã faz o favor de ir para a sua carteira, lá para baixo. Mandei por palhinha nova na cadeira. Faz favor de por na factura Macário & Sobrinho. E case. Case, e que lhe preste! Levante dinheiro. O senhor precisa de roupa branca e de mobília. E meta na minha conta. A sua conta lá está feita.
Macário queria abraça-lo, estonteado com as lágrimas nos olhos, radioso.
- Bem, bem. Adeus!
Macário ia sair.
- Oh! burro, pois quer-se ir desta sua casa?
E indo ao pequeno armário trouxe geleia, um covilhete de doce, uma garrafa antiga de Porto e biscoitos.
- Coma.
E sentando-se ao pé dele, e tornando a chamar-lhe estúpido, tinha uma lágrima a correr-lhe pelo engelhado da pele."
QUEIRÒS, Eça de; in "Contos Escolhido - Singularidades de uma Rapariga Loura", 2ª Edição; Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses; página 58-59
Sem comentários:
Enviar um comentário