7.11.2010

A RTP2 não será nem Lixo nem Luxo

O senhor Luís Mendonça do blog CINEdrio iniciou recentemente uma série de publicações (I,II,III,IV,V,VI) sobre a programação da RTP2 no que diz respeito ao cinema, daqui surgiu um movimento que está em fase de angariação de membros e forças, com vista a peticionar por um melhor serviço publico. Para além de mim (que sou mais tardio), estão já Miguel Domingues do In a Lonely Place (I,II), Carlos Natálio do Ordet (I), Paulo Palhares do Cine Resort e João Paulo Costa do CinePt. Para quem quiser juntar-se, o mail petiçãortp2@hotmail.com está disponível, agradece-se que enviem pelo menos nome completo, idade, mail e residência.

Se a maioria dos senhores propulsionadores desta petição podem olhar para a programação da RTP2 com saudosismos, eu, pela minha tenra idade não o posso fazer, porque desde que me lembro a RTP2 só passa filmes ao sábado à noite nas sessões duplas; 5 noites, 5 filmes só conheço de ouvido e Os filmes da minha vida é coisa desconhecida. Pode dizer-se que sou dessa geração das internets, mas na verdade nem sou, não me vejo a ver cinema num ecrã de computador, pois convenhamos, cinema vê-se no cinema, televisão na televisão, mas na internet não se vê internet.

O meu gosto pelo cinema veio em grande parte pelas pessoas, pelo interesse que outros tinham por esta arte; apesar do filme do Resnais, o gosto pelo cinema e a sua compreensão não cresce como as ervas daninhas, tem que ser cultivado, cuidado, desenvolvido. Para isto existem os livros de história do cinema, de compilações de filmes ou biografias de realizadores (que foram e são a minha escola), depois há o DVD e a televisão, aparecendo em complemento a Internet. [não existe numa pesquisa pelo google um única imagem com mais de 600 pixels do Os Canibais do Oliveira e a informação sobre a produção actual do nosso país é próxima do zero, a internet acaba por ser uma falsa questão].

Há que fazer mais pela formação no cinema, não é com aberrações como Janela Indiscreta do Mário Augusto que é são junket interviews coladas com cuspo que se faz alguma coisa (o cinemax na RTPN é um bocadinho melhor), há necessidade de alguém, um crítico, um jornalista cinéfilo, um programador de festivais, um convidado semanal que para além de escolher meia dúzia de filmes, os apresente, os enquadre histórica e esteticamente ou mesmo pessoalmente, para que não tenhamos uma televisão asséptica.

Por outro lado de nada vale à televisão do estado apoiar dezenas de filmes (longas e curtas de ficção, documentais ou animadas) se depois não não os passa, como, aquando da sua estreia, quase não os promove. Os documentários são mesmo uma caso de demência, por um lado apoia-se a produção nacional, por outro compra-se ao peso os pacotes de National Geografic ou Discovery, vindo a ironia final no slogan: RTP2 a televisão do documentário, ou pior ainda, Tudo o que se passa, passa na RTP2.

Quanto aos horários, eu sou o primeiro a gritar ao lado Miguel Domingues, que passem os filmes às 5 da manhã, eu eu ponho o meo a gravar e é uma maravilha, mas não nos esqueçamos que isto devia ser serviço publico e mais do que isso, o cinema não deve ser equiparado às televendas ou às meninas das palavras cruzadas, a RTP2 como serviço (de qualidade?) devia ver no cinema um produto de horário nobre em vez de comprar as séries americanas que podemos ver noutro qualquer privado.

Eu proponho:
  • Segunda Feira às 23:30 Cinema Documental, apresentado pelos próprios realizadores (se estrangeiros, apresentados por um programador do Doc, sei lá)
  • Terça Feira às 23:30 Cinema Português (desde as velhas comédias da ditadura, passando pelo novo cinema português ao mais actual de Pedro Costa, apresentado por um realizador português que falasse da importância do filme e/ou realizador na sua obra)
  • Quarta Feira às 23:30 Cinema do Mundo (as cinematografias menos conhecidas, orientais, africanas, sul-americanas)
  • Quinta Feira às 22:40 O Cinema Europeu (desde o Expressionismo Alemão ao cinema russo, passando pela nova vaga francesa, o realismo italiano, ao recente cinema checo e romeno)
  • Sexta Feira às 22:40 Os clássicos do Cinema Americano (filmes dos Hawks, Fords, Wilders e tantos outros, podia ser introduzido por uma reportagem em que adolescentes que fossem ver à cinemateca com as escolas falassem dos filmes)
  • Sábado às 22:40 Filmes Convidados (um convidado escolhia dois filmes)
  • Domingo às 23:30 Onda Curta alargada para hora e meia com apresentação dos realizadores
E não nos esqueçamos que é necessária a discussão, palestras de cineastas convidados, noticias de novos filmes, crítica (quem sabe interactiva), proximidade com os festivais, e tanto mais que uma cabeça só não pode inventar tudo sozinha.

P.S.:Como é óbvio a RTP2 não podia usar todos os seus horários nobres em cinema, mas podia sim usar três ou quatro noites por semana em vez de apenas uma como faz agora; o título desta publicação é uma citação de Frenando Lopes um dos fundadores da RTP2, aquando da criação do canal - aquele deveria ser o mote do RTP2 e não uma frase incómoda.

6 comentários:

Flávio Gonçalves disse...

Tenho acompanhado os vossos posts sobre o caso da RTP com entusiasmo e agrado. Vou mandar os meus dados, claro.

No entanto, tenho as minhas reservas. Penso que culpar a RTP pela sua programação é imposição, eles fazem o que bem entenderem e só o facto de existir, neste panorama e neste país, já é muito bom. Também eu sou novo, desde que acompanho o segundo canal é só aos sábados que tenho a possibilidade de aceder a bom cinema entre os generalistas. A noite de Domingo é passada muito bem com Câmara Clara. Mas o cenário que propões, sem dúvida delicioso para cinéfilos que somos, parece-me muito utópico. Impossível, até. A RTP2 tem um público demasiado restrito e eles sabem perfeitamente que os cinéfilos preenchem uma facção ainda mais diminuta. E eu compreendo que eles queiram atender à maioria da minoria (se me faço entender).

Mas não custa nada tentar. Sou solidário com essa causa e quero que as coisas evoluam. Para mim, contudo, a televisão morreu. E há muito tempo. Vivemos os tempos da Internet, do espectador como PARTE ACTIVA daquilo que este quer ver. A televisão sempre tornará o espectador passivo. E nós não temos culpa, nem eles.

Abraço

Cêçá disse...

Infelizmente, não tenho tempo para andar a pesquisar e a tentar aprender tanto sobre cinema como o Ricardo. E quando me sobra tempo, não tenho o hábito de ligar a televisão porque não me acrescenta nada ao dia, até pelo contrário.
Concordo que aquela programação seja um pouco utópica, mas se algumas ideias fossem aproveitadas, eu seria uma espectadora dos programas. Era uma grande mais-valia para a nossa cultura, mas não me parece que o país esteja muito interessado em contribuir para esse incentivo.

Luís Mendonça disse...

Muito interessantes as tuas propostas de programação. E adoro o slogan do Fernando Lopes.

Quanto aos comentários que aqui vejo, deixem-me só dizer-vos que estás nossas mãos mudar o estado das coisas na RTP2. Ela existe para NOS servir. Nós somos o seu público-alvo e eu pelo menos sinto-me posto de lado por este canal.

Abraços a todos,

João Palhares disse...

Também já me juntei à petição, a preguiça e o desleixe da programação da RTP não podem continuar. E é João Paulo Costa do Cine Pt e João Palhares do Cine Resort.. eheh
Já agora, muito boas as propostas!

Ricardo-eu disse...

peço muitas desculpas, mas troquei-me todo.

Para mudar uma situação que é angustiante, há que agir, e esse é o problema maior da Internet, raras são as vezes em que movimentos iniciados por estes meios chegam a algum lado; há que juntar forças, interesses e tomar partido (não chega só conversa)- fazer barulho, porque senão tudo fica na mesma e isso é que não é aceitável.

Não podemos esquecer que a televisão publica não se deve reger por audiências mas sim por qualidade, o que importa é que se passar alguém vai ver e mais do que isso, se passar alguém que não estaria disposto a conhecer, conhecerá. A televisão tem este poder de dar às pessoas, não só o que querem, mas o que devem querer - a isso chama-se serviço público.

Rita C. disse...

Deixa-me só dizer, Ricardo, que esse teu último parágrafo é muito bonito e era assim que eu gostava que as coisas funcionassem. Infelizmente, a televisão funciona maioritariamente como "estupidificador" de massas. Felizmente, ainda há pessoas que se preocupam com isso.