12.22.2010

Amor é comida para cão


Como se faz cinema? Eu estou em crer que fazer cinema é construir imagens. Mas não de forma simplesmente ilustrativa, o que se pede de um realizador é que cada uma das suas imagens viva por si, independente, auto-suficiente. Recentemente tivemos Inglourious Basterds que tinha referências visuais muito fortes, que culminavam na sequência do cinema em chamas: o fim do nazismo através do cinema - literalmente; é a película inflamável que incinera os líderes nazis.
Quanto a Fish Tank, o que mais me agrada é a forma como se filma o amor. Pensando bem, como se há de filmar o amor (não digo paixão nem desejo, digo esse sentimento dos poetas e dos anúncios da Chanel )? Claro que temos as soluções manhosas: corações, música de fundo bonitinha, montagem de videoclip (sem me aperceber fiz uma descrição do último filme do Vasconcelos). Depois temos a opção de Andrea Arnold, construir uma linguagem particular usando uma sinalética pagã. Arnold usa dois trunfos simbólicos: um, o cavalo, branco, acorrentado por malfeitores, representação da própria rapariga, presa à mãe, mas selvagem; dois, o peixe, durante o filme a dita rapariga e o namorado da mãe, pelo qual ela se apaixona, convida-a a pescar um peixe no lago, aquele peixe é fruto do amor dos dois, é a primeira conquista comum, é a representação física e simbólica do casal. [curiosamente, ao entrar no lago para a dita caçada, a rapariga corta-se no pé, sangrando; representação do sangramento da primeira relação sexual].
Claro que Andrea Arnold não está a fazer uma comédia romântica, pois repare-se que, quando se chega a casa, o peixe-amor é deitado, pela mãe, para a tigela do cão, acto inconsciente (?).
Mais para o final, há uma cena em que, mais uma vez se recusa a vulgaridade simbólica das telenovelas, antes da moça sair de casa da mãe, ela, a irmã e a progenitora dançam ao som da televisão sintonizada na MTV, momento de singular beleza (que nos últimos meses me tem assombrado). Ali, naquele momento, toda as incomunicabilidades daquela família, as invejas, os desejos concorrentes, dissolvem-se numa graça de verdadeira compreensão. E depois há aquela chapada no meio da noite para nos acordar para a destruição que aquela miúda podia ter feito; e aquele miúdo que, depois de servir de fantoche, passa a ser a única saída sincera para uma vida feliz.

1 comentário:

Anónimo disse...

Também gostei muito deste filme )