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Logo no início, ainda não tem o filme cinco minutos de duração, o nosso homem vai à cozinha de sua casa arranjar a marmita do almoço. Entra em casa, a mulher finge que dorme, ele abre o frigorífico tira o termo e um pão, guarda tudo numa sacola e sai, não se despede da mulher. Isto corre num plano geral da cozinha, que centra o frigorífico com o relógio da parede por cima. Os ponteiros do relógio não se mexem, mas ouvimos, baixinho, um tique-taque. O tempo anda, apesar de nada parecer mudar.
É esta a mensagem deste murro feito em forma de filme. O que Loznitsa (nascido na antiga URSS, vivendo actualmente na Alemanha, apesar de toda a sua obra ser sobre a Russia) está a dizer é que há uma condição inerente ao homem de desrespeito e desconsideração pelo outro, que é independente do regime político.
O realizador, que esteve a comentar a sessão, contou um episódio curioso. Aquando da queda do muro, um conjunto de filósofos foi convidado para comentar o acontecimento na rádio publica, um deles quando instigado a comentar a morte do comunismo respondeu que uma coisa que nunca nasceu não pode nunca morrer. A ideia é que o comunismo russo não foi um poder, foi mais um estado de ser, como coisa viscosa onde as pessoas boiavam e que como não tinha tido estrutura, esta não podia ruir. O filme gira todo à volta desta consciência do indivíduo como balde de esterco potencial, da maldade consciente, do desrespeito voluntário.
Mas não nos percamos numa visão socio-política do filme, Loznitsa faz cinema, e mais, fá-lo com tal agilidade que usa tão bem o plano-sequência como o plano contra-plano, pega no fora de campo e na elipse e gozas ao máximo, salta entre flashbacks, vai ao road movie, passa pelo filme de terror e consegue fazer-nos sorrir de vez em quando. O que mais agrada é (apesar de tudo o resto) a forma como a câmara nunca pára verdadeiramente, há sempre ali uma agitação, um desejo de filmar as pessoas, por exemplo: numa ida ao mercado, a câmara visita as caras dos transeuntes num bailado hipnótico até que pára em frente a um homem escuro e enrugado, pensamos que ele vai falar connosco mas de repente sai um homem da taberna ali ao lado e a câmara decide segui-lo, mas no fim ele vai-se embora e ela (a câmara) volta ao nosso protagonista.
Se algum mal houver neste filme é o facto de esperar demais do seu espectador, de pedir-lhe que jogue as peças por ele, de cruzar as linhas por ele, de intuir o que não se sabe, de supor o que se suspeita. Uma batalha em que dificilmente sairemos vencedores.
2 comentários:
Parabéns pelo texto, está muito bom. E se já estava curioso, mais fiquei :)
Muito obrigado e o filme é mesmo muito bom.
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