2.18.2011

Cor-de-malva e cheiro a tomilho

Pensar em Another year como um grito é coisa de estranhar. No máximo seria um sussurro mesmo na porta do ouvido. Mas, apesar de abafado pela elegância, este último filme de Mike Leigh clama na forma possível [clama o quê?, já lá vamos]. Happy-go-lucky era por si, e pelo título, um filme que ia puxar o bem-estar a uma cinematografia sisuda e depressiva. Muitos críticos, espantados com aquela alegria de viver (de um cineasta tão cabisbaixo) acharam o filme irritante, a cada riso da Sally Hawkins eles rosnavam na cadeira, a cada episódio (mais ou menos) hilariante, uma gota de suor descia-lhes pelas costas.
A meu ver, Leigh está numa fase da vida (e portanto do seu cinema) em que as coisas não precisam de ser escuras para serem respeitáveis. Leigh acha, neste filme, um equilíbrio entre estas duas posições da vida que invariavelmente se resumem ao claro/escuro. Não sendo um filme bonacheirão é um filme que gosta de dar umas risadinhas, e beber um copo de vinho, não sendo um filme negríssimo tem os seus momentos de incómodo e desespero. [o que se clama é isto mesmo, que a felicidade é, e sempre foi, possível e mais que isso, que o naturalismo britânico - realismo é uma palavra desequilibra - é algo que não precisa de ser eminentemente social ou político ou deprimente para ser digno de nota]
É no entanto interessante pensar este filme fora do rasto do realizador. O filme começa com uma consulta médica, depois temos a nossa Gerri que é uma psicóloga hospitalar; mas o filme, nem por um bocadinho se atreve a cair na esparrela da psicanálise ou dos psicologismos baratos. Cada pessoa é una neste filmes, não devíamos sequer pensar em personagens nem em actores, existem ali pessoas sólidas (nem todas) que vivendo em comunidade se amparam umas às outras. Temos as suas ambições, as suas desolações; entramos naqueles jantares e é-nos oferecido um lugar à mesa (Leigh que é mais um realizador de argumento tem aqui um trabalho fortíssimo no controlo da câmara, fugindo sempre aos exibicionismos), cheiramos as flores daquele jardim, sentimos a leveza do corpo depois de alguns copos e calamo-nos por respeito naquele funeral, e estamos desconfortáveis naquelas querelas entre pai e filho ou na forma como Mary não toma conta de si nem do seu estado.
Enfim, another year é um filme verdade sem nunca ser realista; e isso é algo que a maioria dos realizadores do mumblecore e de um certo (novo) neo-realismo europeu estão a esquecer: a verdade são as pessoas e o realismo é apenas uma estética.
[falar de verdade com estas certezas é um exagero, mas por vezes termos alguma coisa para dizer parece um exagero]

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