4.14.2011

cortes na cultura

L'argent (1983) de Robert Bresson

Há uma aversão do animal político a discutir a cultura. Tudo o que cheire a intelectual (porque intelectual é coisa pestilenta nas terras lusas) é para manter bem longe, pois pode (e note-se agora que isto não é apenas português) tornar o candidato demasiado elitista. Assim, a coisa mais parecida (com uma pergunta sobre a gestão da cultura nacional) que se pergunta a um candidato político é qual a sua música, livro ou filme preferido. Não se discute a relação do indivíduo público (e privado) com a televisão, ou os meios de comunicação em geral (e o agora tão em voga Facebook não é mais que uma plataforma de divulgação política e propagandistica), nem se discute como financiar as artes ou apoiar a divulgação cultural local e nacionalmente (duvido mesmo que muitos dos candidatos tenham sequer opinião ou interesse nos assuntos).
A cultura só é alvo de comentário políticos quando a comunidade (política e/ou jornalística) acham desproporcional o custo com o resultado (basta lembrar a Branca de Neve), aí e só aí se discute de facto o financiamento da arte. O problema é que a coisa é sempre tendenciosa. Vê-se o todo por uma obra singular e julga-se o comportamento de um autor ou produtor como aquele que rege toda a classe (será que se pode aplicar esta expressão?).

Deste modo, nunca, ou muito raramente, um filme, uma peça de teatro ou um livro, levanta na nossa sociedade (civil) uma discussão construtiva sobre nós mesmo. Veja-se por exemplo último filme de Alberto Seixas Santos sobre a relação dos jovens e as telenovelas juvenis. Quem viu? Quem, tendo visto, divulgou? Quem, tendo divulgado, fomentou a discussão pública?
É mais normal verificar que as pessoas comentam as entrevistas mais ou menos brejeiras de Manuela Moura Guedes ou a forma como o Benfica desligou as luzes do estádio, porque razão mentiu Sócrates em relação à reunião do concelho de estado ou a justificação (divina?) do desastre nuclear japonês e nunca o fazem em relação ao novo álbum de Panda Bear, à edição de A single man ou à estreia do filme do Apichatpong Weerasethakul.

Não é de estranhar que a cultura seja aquele reino onde o corte é mais fundo e justificado pela demagogia da cultura como luxo dispensável. Depois de cortes no ICA (e a venda da Tobis) que inicialmente tinham deixado filmes a meio porque o cheque não chegava (lembro-me da interrupção da rodagem do Sangue do meu sangue, último filme de João Canijo), agora a redução aos apoios dos festivais (o fantas e o indie viram as edições deste ano encolhidas em meios) e do orçamento da cinemateca.
A cinemateca era (e é ainda) um reduto do bem-fazer, mas mesmo assim lá chegou a tesoura que, cortando a direito, encerrou a sala Luis de Pina, reduzindo a exibição regular de 5 filmes diários para 3. Na verdade a nossa cinemateca era uma excepção, pois, por toda a Europa as instituições homólogas não têm uma programação tão rica como aquela à qual no tínhamos habituado. Noutros países, a cinemateca funciona (principalmente) como distribuidora, levando cópias restauradas ao exibidores privados para a sua comercialização no circuito normal das salas.
De forma irónica, este mês (em que até o panfleto da cinemateca ficou reduzido) iniciou-se um ciclo intitulado The Color of Money, abrindo com o respectivo filme de Scorsese e encerrando com L'argent de Bresson [na imagem], prova de que as constrições financeiras, apesar de sufocantes, não são incapacitantes. E demonstração óbvia de que não são, nem podem ser, as questões económicas e orçamentais a reger a programação cultural.

[leia-se RTP2 e as justificações do director quanto à insignificante programação de cinema no respectivo canal; esta situação, em que a cinemateca deixa de lado parte significativa da sua actividade, é sem dúvida motivo maior para contestar a programação do canal público, porque, deixando a cinemateca de fazer o seu serviço, algo ou alguém deve ocupar o espaço deixada livre e a televisão publica é o organismo que tem essa obrigação - moral e contractual] 

2 comentários:

PMF disse...

Concordo contigo. Mas o problema é que a cultura não dá dinheiro. É esse o grande problema e continuará a ser. E nesta altura, parece que o que não dá dinheiro deve ser deitado fora.
Aquilo que se está a passar na Cinemateca é quase um crime. Se não é, devia ser. A distribuição e a televisão, como já aqui falámos há tempos, são a vergonha que são, se fecham a Cinemateca, perde-se o único cinema do país (infelizmente só está presente em Lisboa) onde se pode ver cinema diferente e de forma regular. Apesar de não ser um visitante diário da Barata Salgueiro, já cheguei a ser em tempos, foi lá que aprendi e cresci muito enquanto cinéfilo. E de há uns tempos para cá é com grande tristeza que assisto ao que se está a passar naquela Casa.

Mas agora crítico outra situação. No mês passado suspenderam algumas sessões. Para mim é inconcebível que uma instituição como a Cinemateca não tenha alternativas no seu arquivo para substituir as sessões em causa. Se começam a entrar numa lógica de fazer birrinha, como andam a fazer muitos dos nossos políticos, quem perde acabam por ser sempre os mesmos.

Abraço.

Ricardo-eu disse...

não podemos encara a actual situação da cinemateca como birra da direcção, aliás, a cinemateca é um centro de cinéfilia que através do cinema expressa os seus humores, sendo o ciclo color of money exemplo disso mesmo.

A ideia de que a cultura não dá dinheiro é errada, o cinema do oliveira dá quase sempre lucro com as exibições internacionais, e mais que isso, o cinema em Portugal não está orçamentalizado, o Ica financia-se na publicidade televisiva.