4.30.2011

O cinema como brincadeira de criança



Antes de dizer o que quer que seja proponho aos que por aqui passam os olhos, que leiam o texto de José Oliveira, Marta Ramos e Mário Fernandes que entre outros aspectos foca o filme A Espada e a Rosa, não podendo estar mais em desacordo, acho relevante mostrar que A Espada e a Rosa é um filme que não pede que gostem dele e age mesmo de forma a que o contrário aconteça.


Porque muito teria para dizer e porque não quero gastar o tempo a ninguém, saliento unicamente dois pontos:
Ponto primeiro - a família: A Espada e a Rosa é um filme de famílias no seu sentido mais lato (não aquela que tem como propósito a procriação - lembrar a senhora Ferreria Leite): por ser o resultado de um argumento escrito por João Nicolau e a sua irmã Mariana Ricardo; por envolver Sandro Aguilar como produtor cujos filmes A Zona e Voodoo têm Nicolau como actor; por ter a Som e a Fúria de Miguel Gomes como produtora (sendo que Mariana escrevera Aquele Querido Mês de Agosto e o próprio Miguel Gomes participara na curta Canção de Amor e Saúde de Nicolau); por ser Manuel Mesquita o protagonista deste filme e da curta Rapace, o filme de estreia do realizador. Mas a família surge-nos ainda de forma mais tocante através da respectiva narrativa e mise en scène. Note-se que o filme começa com um único homem sozinho, dormindo com o seu gato, e termina com um arraial de personagens que ultrapassa a dúzia. Tudo aquilo vai em crescendo. A par disto, apercebe-mo-nos da recusa sistemática ao plano-contra-plano que conduz a uma construção colectiva das situações. Há mesmo um aspecto coral e cénico na composição da imagem que se torna mais evidente nas cenas de jantar em que todo o elenco partilha a mesa e conversa em amena cavaqueira. Constrói-se assim uma noção de família, não só, mas principalmente, a partir da forma como se enquadram os personagens; e convenhamos, isso é muito bonito.
Ponto Segundo - o cinema como brincadeira de criança: A Espada e a Rosa é um filme feito a brincar. O que nos fica é que Nicolau teve todas as hipóteses para fazer exactamente o filme que queria e o que ele quer é na verdade brincar ao cinema. Há ali uma ingenuidade que é profundamente tocante (mesmo que possa ser resultado de requintado fabrico). Toda aquela catadupa de referência são uma demonstração infantil de conhecimento (em vez de 'olha, olha, eu tenho o último cromo do pokemón' temos 'olha, olha, eu faço referências ao mito de P'an Ku') que resulta numa ternura nada pretensiosa. Todo aquele imaginário de piratas e assaltantes e cavaleiros, escravos e substâncias mágicas; tudo isso é tão puro, que não pode fazer nada mais que encantar qualquer espectador que esteja disposto a deixar-se levar. No entanto a insistência nos longos planos-sequência é demonstração cabal de que existe consciência, por parte do quem realiza, sobre o que está fazendo. 
Por motivos economicistas ou pela politica dos autores ou pelo receio da crítica e do público, raros são os filmes que nos surgem assim: tão livres e tão tocantes.

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