6.03.2011

Vá com deus e eu vou-me à vida

A certa altura Isaac ouve, Vá com deus e eu vou-me à vida, só que o caminho para deus não é o mais fácil. O estranho caso de Angélica é um filme do outro mundo, entenda-mo-nos, é de facto um filme que vive fora, lá longe; mas apesar da distância vai dando umas espreitadelas para o lado de cá.
Tudo começa com um acidente e chovia, como é óbvio. O fotografo não estava e teve que se chamar Isacc, um outro fotografo. Como a morte, os clientes aparecem quando menos os esperamos e mudam-nos a vida. Aliás, a viagem que leva Isaac no sentido da angélica Angélica é uma coisa de arrepiar. Uma entrada nos confins do mundo. Um carro pega em Isaac e só muito raramente lhe vemos o rosto iluminado pela iluminação pública. É toda uma viagem na escuridão. Maria João Pires constrói a gondola sonora que nos transporta para o outro lado.
E chegamos.
Toda essa sequência é coisa do outro mundo. Excepto o marido, todos os que habitam aquela casa, estão mortos à muito; quando se entra 'na divisão' parece que os que lá estão, em vez de se despedirem da morta, estão dando-lhe as boas vindas. Isaac faz uma visita ao mundo dos mortos deixa-se seduzir pelos que por lá andam. Aquele sorriso é isso sim, um convite. Um, vem me fazer companhia. Um, vem dormir comigo eternamente.
Isaac foge, e regressa ao mundo, ao lado de cá. Só que quem lhe toma o gosto, dificilmente o esquece. Isaac bem tenta, faz por se agarrar à terra. Vai fotografar os homens do campo. Ouve-lhes as canções. Insiste em se alimentar com os outros hospedes (cena descomunal essa em que Luís Miguel Sintra e Ana Maria Magalhães divagam entre a crise financeira e o acelerador de partículas). Mas já não há volta a dar. Uma vez morto, morto toda a vida.
Depois há as assombrações: a túlipa que surge na mesa do pequeno-almoço. O pássaro que que se liberta da gaiola (e do gato que o rondava) e os sonhos. Viagens fora do espaço e do tempo, que se têm que fazer agarrados para não nos perdemos no limbo.

Sem comentários: