10.10.2011

Portugal por escrito

A Srª Fretag era a nossa professora de Inglês. No primeiro dia de aulas perguntou-nos os nossos nomes
«Quero conhecer cada um de vós», disse.
Riu-se.
«Bem, tenho a certeza que cada um de vós tem um pai. Penso que seria interessante saber aquilo que cada um dos vossos pais faz na vida. Vamos começar pelo número um até ao último. Bem, Marie, o que faz o teu pai?»
«É jardineiro»
«Ah, que bom! Número dois... Andrew, o que faz o teu pai?»
Era terrível. Todos os pais do meu bairro estavam desempregados. O meu pai estava desempregado. O pai do Gene passava o dia sentado no alpendre da sua casa. Todos os pais estavam desempregados excepto o do Chuck que trabalhava num matadouro. Ele conduzia o carro vermelho com o nome do matadouro.
«O meu pai é bombeiro» disse o número dois.
«Ah, isso é interessante» disse a Srª Fretag. «Número três.»
«O meu pai é advogado.»
«Número quatro.»
«O meu pai é ... polícia...»
O que dizia eu? Talvez só os pais dos meu bairro estivessem desempregados. Eu tinha ouvido falar da crise financeira. Era algo mau. Se calhar só havia crise financeira no meu bairro.
«Número dezoito.»
«O meu pai é actor...»
«Dezanove...»
«O meu pai é violinista...»
«Vinte...»
«O meu pai trabalha no circo...»
«Vinte e um...»
«O meu pai é condutor de autocarro...»
«Vinte e dois...»
«O meu pai canta na ópera...»
«Vinte e três...»
Vinte e três. Esse era eu.
«O meu pai é dentista», disse.
A Srª Fretag continuou até que chegou ao número trinta e três.
«O meu pai está desempregado», disse o número trinta e três.
Merda, pensei, quem me dera ter-me lembrado disso.

Charles Bukowski in "Ham on Rye - Pão com Fiambre",1982, tradução por Manuel A. Domingos, Ulisseia, Setembro de 2010

P.S.: Este é a primeira de três publicações com excertos de obras (que tenho andado a ler), cujas observações do mundo parecem ter sido feitas para o Portugal (ou portugal) de hoje, sem tirar nem pôr.

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