6.18.2012

Key Largo é um filme do pós guerra, um filme cheio de reverberações do horror. O primeiro plano do filme mostra-nos uma carro em grande velocidade, em contra-mão, ultrapassando um autocarro, lá dentro vão aqueles que assistiram à guerra ao longe, vão os polícias, os polícias corajosos, um deles desafiará o bandido, e morrerá por isso. Mas Bogart não vai nesse carro, porque ele ganhou medo, porque ele não anda em contra mão, em contra-pé. Bogart vai no autocarro, sentado, confortavelmente com o seu casaco e a sua malinha de viagem, e vai de férias, tentar esquecer o horror, tentar esquecer.
Key Largo é um filme sobre o medo, Bogart é um homem medroso, um borra-botas orgulhoso, que quando tem a arma para disparar não o faz, e ele não sabe que ela está vazia, e podia fingir que sabia, mas não o faz, ele admite a sua incapacidade de combater o terror, no corpo de um mafioso em fim de carreira. Ele, o mafioso, é a maldade em pessoa - gosta de fazer sofrer - e Huston confere-lhe essa aura de nojo, não lhe dando corpo durante a primeira meia hora do filme. Mas é maravilhoso vermos o medo a funcionar, quando a natureza se levanta, os vento sopra desolador, a chuva cai copiosa, até o mafioso teme pela vida, e Bogart, talvez levado pela chuva, talvez levado pelo vento, talvez levado pela humilhação, diz-lhe (mas Bogart é um wise guy, que fala e não faz, um chico-esperto) qualquer coisa como, tens medo da tempestade? dá-lhe um tiro a ver se ela vai embora.
Depois há negócios de mafiosos e trocas de dinheiro e índios mortos e uma série de coisas, entre elas, a Bacall, mulher mais bela nunca se viu, angélica, desejosa se saber como morreu o marido (companheiro de armas de Bogart), ela que estando deste lado, quer saber como foi a guerra e obviamente Bogart mente-lhe, ela sabe que ele lhe mente, sabe que a história heroica que ele lhe conta sobre o falecido é falsa, ou melhor, não é falsa, é a história do próprio Bograt. E aqui começo a duvidar; terá havido marido? ou será que esta viagem de Bogart ao fim do mundo não será um regresso a casa, como se ele tivesse absorvido nas trincheiras a história de vida do outro e agora tentasse prolonga-la, com outro corpo, com o seu corpo. Talvez. E talvez por isso a coragem surja, o homem se revolte e, um de cada vez, limpa o sarampo à trupe de mânfios. E aí, plano belíssimo. Estão no mar, um barco desgovernado, a bússola roda desvairada, Bogart agarra-se ao lema, inverte o sentido, e a bússola estabiliza, está de volta, a casa e ao seu ser. Comunica por rádio para Bacall, e dá-lhes as boas novas, ela, em alegria, tira a casa da escuridão a que a tempestade havia obrigado, abre uma janela e entra uma luz brilhante sobre a sala e sobre ela, que ri alegremente, angelicamente.    

1 comentário:

O Narrador Subjectivo disse...

Grande filme, um dos melhores do Bogart. Cumprimentos

http://onarradorsubjectivo.blogspot.pt/