12.15.2010

A sombra acalma-te Imperador


Este é um comentário pessoal. Dito isto posso começar por falar de um aspecto publico do filme. Botelho decidiu pass(e)ar o seu filme fora do circuito comercial, fora das salas dos multiplexs e fora das salas escuras do King (e de mais um par de salas dos privilegiados do país, onde qualquer lisboeta, como eu, se integra). Boetlho quis levar o seu filme ao povo, corrigindo, a todos. Fazendo uma digressão pelo pais com sessões nas dezenas de teatros municipais, aproveitando espaços subaproveitados e garantindo um número de espectadores muito superior ao que o filme normalmente faria (já ultrapassou os 10 mil). Mas há algo mais profundo nesta opção. Não é só comercial. A natureza do Filme do Desassossego não é de sala de cinema. Há a sensação de que vamos assistir a um evento especial, sem pipocas, sem casalinhos beijoqueiros, apenas com pessoas interessadas. Enfim. Isto para dizer que vi o filme no São Carlos. Melhor lugar não haveria de existir em Portugal (não necessariamente o meu assento que era o 4º balcão, coisa péssima), porque o Filme do Desassossego é filme-ópera e por isso a talha dourada da sala, os funcionários de fatinho e os candelabros combinam com o filme. Mais do que uma combinação decorativa, o próprio filme começa com uma orquestra a afinar (onde?) no São Carlos (está claro!) e desenvolve-se em pedaços cada vez mais oníricos (qual Inception qual quê), tendo cenas líricas interpretadas por Angélica Neto e Elsa Cortez, e participações musicais de Carminho, Lula Pena e Ricardo Ribeiro.
Se me é permitido falar por mim (como se o texto anterior fosse obra de um marionetista opressor), acho esta última obra de Botelho um filme maravilhoso. Tão imperfeito que até emociona, ingénuo, atrevido, experimentalista e desconexo, mas é daí que vem toda a sua força hipnótica. Sente-se uma fornalha criativa a borbulhar durante as duas horas de projecção, sente-se um prazer infinito em percebermos um filme que vive da sua multiplicidade de actores que surgem em gags mais ou menos filosóficos, de salientar a menina Wallenstein a explicar-nos a três dores pessoanas ou Miguel Guilherme e Rita Blanco a discorrer sobre a gramática em mudança ou ainda Rui Morrison a comentar o caixão de um nado-morto. Enfim. Depois claro, temos a explosão de imagens inquietantes de Botelho, um moça nua a desfilar na noite, um sapato vermelho num casaco de peles, uma lagosta a nadar, as sombras do quarto de Soares, o cinzeiro vazio. E depois os travelings no restaurante a passear de mesa em mesa.
Mas é Lisboa o elemento aglutinador. Lisboa é um sentimento. Aparece-nos uma Lisboa de Hoje com gajos a foderem na rua e mendigos no chão e graffitis nas paredes e Pessoa a passear-se pelo meio disto como se fosse o princípio do século. Lisboa é sensação, coisa animal e incontrolável. Enfim. Este é um comentário pessoal.

P.S.: Peço desculpa pela linguagem, mas uma vez, de vez em quando, lá tenho que dizer uma alarvidade.

3 comentários:

Flávio Gonçalves disse...

Belo texto :)

A Bola Indígena disse...

Parabéns por este blog. Prosa superior ;)

Cumps

Ricardo-eu disse...

eu estava à espera de ofender alguém, mas ao que parece, publicar textos com palavrões agrada os meus leitores. Muito obrigado, sinceramente pensava que este texto era fraquinho, agora tenho um ego maior graças a vós.