2.08.2011

Lembro-me desse mês de Janeiro em Tóquio, ou antes, lembro-me das imagens que filmei no mês de Janeiro em Tóquio

"(...) Importa atender em termos: O que Chris Marker acba implicitamente por fazer a demonstração é que a objectividade é ainda mais falsa que dois pontos de vista partidários. (...) Geralmente é a imagem o elemento propriamente cinematográfico que constitui a matéria-prima de um filme. A orientação é dada pela escolha e a montagem, o texto acabando de organizar o sentido assim dado ao documento. Chris Marker procede de maneira diferente. Diria que a matéria prima é a inteligência, a sua expressão imediata a palavra, e que a imagem não reenvia à que precede ou à que se lhe segue, mas lateralmente de alguma maneira ao que é dito. (...) O elemento primordial é a beleza sonora e é dela que o espírito deve saltar para a imagem. A montagem faz-se da orelha ao olho". Uma concepção de "montagem vertical", portanto.
(...)
Memorizar o passado para não reviver foi a ilusão do século XX. Marker trabalha o tempo, as suas estratégias, canais e redes que não são a sua parte de desagregação. Há nele uma verdadeira arte da aproximação, entre factos, memórias e tempos, que é uma arte de inteligência e da imaginação.
(...)
'Lembro-me desse mês de Janeiro em Tóquio, ou antes, lembro-me das imagens que filmei no mês de Janeiro em Tóquio. Agora elas substituíram-se à minha memória, são elas a minha memória' (Sans Soleil).
(...)
Apesar de uma nostalgia comum pelo cinema, Godard e Marker apresentam posições radicalmente diferentes - Godard concede à imagem um privilégio ontológico ao contrapor a reprodução da realidade a sua 'ressurreição' em filme - vide as Histoire(s) du Cinéma. Marker, por seu lado, concebe no cinema uma mais ampla cultura de imagens, cuja tragédia reside na morte que encarna, no esforço de memória de que é portadora.
(...)
'Contudo o meu principal desejo é que haja aqui códigos familiares suficientes (a fotografia da viagem, o álbum de família, o animal-fétiche) para que, insensivelmente, as minhas imagens sejam substituídas pelas do leitor-visitante, as minhas recordações pelas suas e para que a minha Immemory lhes sirva de trampolim para assim realizarem a sua própria peregrinação para o Tempo Reencontrado' (Marker). (...)"

Augusto M. Seabra comissário de Chris Marker, Memórias dos Tempos

Sem comentários: