5.09.2012

Variaveis indendentes (V)

Só deus sabe. Uma barraca nas traseiras do jardim. Um homem lá dentro. Uma música tocando. Voyage Voyage. O que se passa lá dentro? Só deus sabe. E nós não precisamos de saber.

É assim que começa Stilleben, um dos filmes na competição internacional do indie'12, filme que por infortúnio foi sempre comparado a Michael (sobre o qual escrevi recentemente) por tratarem de temas próximos. E invariavelmente este tem sido posto em segundo plano, assombrado (literalmente à sombra) pela irrisão do primeiro. Mas naquilo em que Michael era consumado este é apenas recalcado. Aliás, este é um filme sobre essa coisa horrível (mas inegavelmente benéfica) que é a inacção.

Benéfica no sentido em que é a consciência do repúdio que o acto da molestação concretiza previne o molestado de o ser (que frase medonha). Horrível uma vez que todas as personagens desta família partilham esta forma de estar na vida: essa de nunca concretizar nada, todos os empreendimentos que iniciam são, sistematicamente, deixados pelo meio, com excepção de um, o primeiro. Um filho segue o pai que se dirige ao serviços de uma prostitua, depois deste se ausentar, ele consegue da prostituta um bilhete que revela o desejo do pai para com a sua filha (hoje já adulta). Depois desta acção, que se concretiza na descoberta, motora de todo o filme, mais nada se desenlaça.
A esse propósito vejamos: a filha quando toma conhecimento do sentimento que o pai lhe tem decide ir-se, faz a mala e dirige-se para a estação de comboios. Compra o bilhete e no interlúdio insulta o irmão que a tenta auxiliar. Este também se decide a partir. Ambos estão nessa senda (ela na estação à espera, ele na estrada conduzindo de volta à cidade) mas ambos decidem-se por não partir. A mãe tenta continuar a rotina, vai para a sua loja, pede o pequeno almoço de todos os dias, mas não o come. O pai foge de casa, caminhando (preparava-se para destruir as 'provas' mas deixa-as para serem descobertas) dirige-se a um bar e pede um shot, não o bebe, volta a casa e pega uma arma para se matar, fecha-se no carro, na noite, de luzes apagadas, mas não se mata. Finalmente dirige-se a um banco para o assaltar, mas nem aí age como um assaltante agiria, fica parado.

Tudo isto para tentar justificar esta ideia de que Stilleben se trata de um filme sobre o passivismo, sobre o medo de agir, tanto do pedófilo que sabe o mal que poderá fazer, quer sobre os seus que depois de descobrirem ficam com medo de descobrir mais, evitando fazer o que quer que seja. O medo como inibidor da vida. 

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